Alcindo Monteiro foi vítima de violência racial por neonazis a 10 de junho de 2005 e morreu dois dias depois, tornando-se uma prova de que o racismo é um problema em Portugal, segundo os promotores da manifestação.
Logo no início da pequena marcha, Xavier, seis anos, segurava com orgulho o cartaz que desenhou em cartão, no qual se podia ler "Racismo é crime".
"Há muitos anos, morreu aqui uma pessoa porque tinha uma cor da pele diferente da minha. E eu não quero que façam isso ao meu pai", afirmou o menino, de pele branca, filho de um moçambicano.
Convocada pela Frente Anti-Racista e pelo movimento Vida Justa, a que se juntaram sete dezenas de organizações, a manifestação partiu do local onde foi encontrado o corpo de Alcindo Monteiro, na Rua Garrett, e fez um breve percurso até ao Largo do Carmo, local onde o regime ditatorial se rendeu no 25 de Abril de 1975.
Ao som de tambores, as centenas de pessoas gritavam palavras de ordem como "estamos fortes, estamos juntos" e cantavam "a nossa luta é todo o dia, contra o racismo, fascismo e xenofobia".
No início do grupo, a Frente Anti-Racista empunhava uma faixa com a inscrição "Unidos contra o Racismo e Xenofobia", seguida de bandeiras da Vida Justa e depois pró-Palestina. O coletivo juntava várias causas, desde cartazes em que se podia ler "agir já", de movimentos ambientalistas, "direitos iguais, papéis para todos", de movimentos imigrantes, "rendas íveis" ou "violência policial mata", dos bairros periféricos.
Segundo Henrique Chaves, dirigente da Frente Anti-Racista, esta foi a maior das manifestações realizadas a 10 de junho, "para homenagear Alcindo Monteiro, mas também para reforçar a luta contra o racismo em Portugal".
"O racismo é sistémico em Portugal e mata pessoas", afirmou, salientando, numa referência a outros casos em que existe a suspeita de violência racial na origem das mortes, que "não foi apenas Alcindo Monteiro - há um ano morreu Odair Moniz, há cinco anos morreu Bruno Candé".
O resultado das eleições legislativas de maio trouxe uma "maioria parlamentar que não é favorável aos imigrantes, não é favorável às pessoas negras ou aos ciganos", alertou ainda Henrique Chaves.
"Não é só o partido Chega que é um problema. É um problema o Governo [PSD/CDS], que atacou os imigrantes várias vezes no anterior mandato. É um problema a Iniciativa Liberal, que quer avançar com um retrocesso na Constituição", exemplificou o dirigente.
Por seu turno, Flávio Almada, do movimento Vida Justa, explicou que "há cada vez mais pessoas que se juntam à luta", que "não é uma luta dos bairros, dos negros ou dos ciganos, mas é uma luta da sociedade toda".
Na manifestação de hoje, sublinhou, juntaram-se várias reivindicações, sinal de que as causas de cada movimento "podem ser diferentes, mas as coisas estão interligadas".
"O racismo está ligado à racialização do trabalho, ao o à saúde, [...] desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde faz parte das nossas causas", exemplificou.
"O nosso inimigo é a minoria dos ricos que exploram a sociedade e, por isso, faz sentido estarmos todos juntos", acrescentou Flávio Almada, que se mostrou também preocupado com o resultado das eleições de maio.
Na sua leitura, as legislativas nacionais "pam a nu essa mentalidade colonial, herdada de uma história de violência total que é o colonialismo, cujo legado é o racismo na sociedade portuguesa".
O racismo, sublinhou, "é uma questão do exercício do poder" e hoje, acrescentou, "há uma cegueira de alguma pseudo-elite intelectual que nega ver o óbvio, que é o racismo impregnado em toda a sociedade portuguesa", alimentado por uma "estrutura que organiza e produz racismo para seu benefício económico".
À agem da manifestação, muitos turistas no Largo do Chiado olhavam com curiosidade e até houve quem aderisse.
Benedita Perez é espanhola e está de férias em Portugal. Primeiro, ao ver tantas bandeiras da Palestina, pensou que era um protesto contra Israel, mas depois, ao perceber o alcance do protesto, decidiu juntar-se.
"O racismo é uma coisa comum. Os racistas estão a crescer em todo o lado. Não é só Portugal, é também no meu país ou nos Estados Unidos. Se nós não nos mexermos, eles vencem", disse a professora de História de Valladolid.
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